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Movimento Sujeitos Plurais

Mais sobre o nosso Movimento:

Posicionamo-nos ainda contra o processo de patologização (no sentido moderno de doença) da vida que vem ocorrendo na atualidade, vinculado à medicalização do sofrimento cotidiano e da diferença humana, ao paradigma biomédico, que reduz toda a complexidade do sofrimento psíquico a uma visão biologizante e vem resultando num uso indiscriminado de psicofármacos, sobretudo, na infância e adolescência, e vinculado ao ideal normalizador. Acreditamos que todo este processo tem causado mais dano que benefício, contrariando o princípio Hipocrático clássico de "não causar dano".

Somos vinculados à área da psiquiatria e saúde mental e radicalmente contra a cultura capacitista, que corresponde a uma cultura que valora positiva ou negativamente uma pessoa (como um todo) de acordo com determinadas capacidades físicas e/ou mentais, considerando a pessoa "menos ou inferior, o otherness, inumano," por possuir limitações/dificuldades em determinadas áreas de funcionamento. Ressaltamos que todos possuímos nossas limitações, que diminuem ou aumentam segundo circunstâncias ou a fase de nossas vidas. A cultura capacitista está intrinsecamente relacionada a uma cultura "normalizadora".

Valorizamos sim, as capacidades do ser humano para amar, para ser feliz, para afetar e ser afetado, para sentir, cuidar, se relacionar...as inúmeras capacidades e potencialidades humanas, independentemente das diferenças, singularidades e particularidades dos sujeitos.

Defendemos no campo da psiquiatria justamente esta valorização das formas plurais de existência e não uma psiquiatria pautada em um ideal normalizador, como acaba ocorrendo no modelo biomédico (lembrando o potencial deste ideal em resultar em políticas e práticas eugênicas).

Entendemos que a medicalização/psiquiatrização da vida, da forma como vem ocorrendo, acaba trazendo mais prejuízos que benefícios àqueles que sofrem.

A tese de que os transtornos mentais seriam fruto de uma disfunção cerebral, mais especificamente, de um desequilíbrio neuroquímico, vem sendo refutada por evidências científicas recentes (ver o Relatório da ONU de Dainius Puras, publicado no Dia Mundial da Saúde, 07/04/17 e o artigo de Jeffrey Lacasse e Jonathan Leo, 2005 - na seção links do site).

Isto faz com que seja cada vez mais difícil para a psiquiatria sustentar, ao menos até o momento presente, a ideia de que os transtornos mentais são "doenças cerebrais", semelhantes a qualquer outra doença médica.

Os estados extremos e incomuns do ser, incluindo sofrimentos extremos, como a loucura por exemplo, são ainda, uma maneira de ser humano (Joanna Moncrieff - ver links neste site).

O objeto da psiquiatria e da saúde mental, por extensão, pode ser visto, então, como o pathos, entendido em seu aspecto etimológico, ou seja, como uma disposição afetiva, paixões exacerbadas da alma, incluindo o sofrimento; pathos, nesta concepção original, remete ao sofrimento, inerente à condição humana, podendo incluir o sofrimento presente também no adoecimento, o qual também faz parte do humano; mas vai além da noção de doença; sofrimento este intrínseco, ou seja, ineliminável pela remoção das barreiras sociais, nas palavras de Susan Wendell. Por outro lado, doença enquanto disfunção, no sentido estritamente médico, não se aplica à psiquiatria, ao menos, até o momento. Portanto, psicopatologia pode ser entendida como o estudo do sofrimento psíquico, não da doença psíquica.

As categorias psiquiátricas, como afirma Moncrieff, mais que uma doença, funcionam como um dispositivo político (political device), com finalidades puramente pragmáticas, garantindo, por exemplo, o acesso a intervenções clínicas, a um sistema educacional inclusivo, possibilitando a elaboração de políticas públicas bem como a proteção de leis específicas.

Reconhecer as categorias como political device que pertencem à dimensão do pathos, mas não da doença, tem a grande vantagem na psiquiatria de possibilitar o combate mais eficaz às práticas discriminatórias e estigmatizantes, ao invés de reforçá-las (como o faz o modelo médico da doença mental), além desta perspectiva ser totalmente compatível com as políticas da diversidade. A valorização das múltiplas formas de existência, por si só, combate o estigma, diferentemente do ideal normalizador.

Acreditamos, portanto, que a psiquiatria e a saúde mental como um todo devam se voltar sim para a ajuda, o cuidado e o acolhimento daqueles que apresentam algum tipo de sofrimento ou problema psíquico, que se constituem como o objeto da psiquiatria; problemas, uma vez que nem sempre o objeto de intervenção psiquiátrica é o sofrimento, o pathos, mas pode ser simplesmente problemas, como no caso dos comportamentos desviantes ou da maioria dos casos na infância, como o TDAH, o "Transtorno" Desafiador Opositivo, onde o incômodo, na maioria das vezes, está muito mais no entorno, na família, na escola, na comunidade, que na própria criança. Éo que Michel Foucault chama de "medicina do não patológico". Pode-se pensar que os problemas psíquicos (que incluem o sofrimento e a aflição psíquica) surgem da relação do sujeito com o meio social, considerando as diferenças genéticas, neuronais, mentais e comportamentais do sujeito.

Concebemos a noção de deficiência, orientada pelo modelo social, a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ver o link da CRPD neste site). No lugar de "impedimentos de longo prazo de natureza física, sensorial, mental e intelectual", consideramos que as diferenças físicas, mentais, cognitivas e sensoriais dos sujeitos, ou simplesmente a diversidade/variabilidade funcional do mesmo, em suas relações com o meio social (com "uma ou mais barreiras sociais", sejam físicas e/ou atitudinais), podem resultar em desvantagens, em desigualdade de oportunidades e acessos. Tal noção abrange o sofrimento mental, transpondo o gap que separava "transtorno mental" e deficiência. Ao enfatizar o entremeio sujeito-ambiente, a CRPD mostra que as transformações da noção de deficiência ao longo do tempo devem servir como exemplo para a noção de "transtorno mental", cujo foco permanece no indivíduo, no corpo biológico", não no "lived body".

Portanto, mais que adaptar o sujeito ao meio, visão predominante na medicina contemporânea, entendemos que devemos adaptar os meios à diversidade dos sujeitos, reduzindo e combatendo desigualdades.

Enfatizamos a noção de sujeito plural ou sujeito da diferença, marcando o empoderamento deste pela sua própria condição, pela sua própria trajetória de vida...

Um dos principais lemas de nosso Movimento vem da frase do pesquisador do campo dos Disability Studies, Lennard Davis: "somos todos incompletos, parciais, dependentes e interdependentes"; ou seja, somos plurais, incompletos, interdependentes...precisamos uns dos outros.

Somos afins de movimentos como os Movimentos da Deficiência (Disability Movement), os Movimentos da Neurodiversidade, como o Autistic Self-Advocacy Network (ASAN), o Mad Pride, de movimentos que visam a despatologização (no sentido de doença) da diferença e do sofrimento cotidiano humano.

Com relação ao campo de conhecimento, valorizamos os recentes achados e estudos no campo da Neurobiologia, Biologia Molecular e Genética.

Mas somos afins das chamadas Humanidades Médicas, das Ciências Humanas e Sociais aplicadas à Medicina/Psiquiatria, como a Antropologia Médica, a Sociologia Médica, a Psicologia, Filosofias Pós-Modernas como o Pragmatismo, a Pragmática, a Fenomenologia-Hermenêutica, o Existencialismo, a Filosofia da Psiquiatria, etc.

Sujeitos Plurais...

E defendemos uma psiquiatria pluralista, contra o reducionismo biológico vigente na atualidade...uma psiquiatria que enfatiza igualmente as dimensões psíquica, sócio-cultural-histórica, noética (existencial-espiritual) e biológica, que constituem as experiências de sofrimento psíquico enquanto uma unidade múltipla.

Uma psiquiatria que resulta num pluralismo: explanatório, epistêmico, metodológico e clínico.

Uma clínica plural e integral, que vislumbre o ser humano em sua totalidade, de modo integral, em suas múltiplas dimensões, sem fragmentá-lo...que lance mão dos múltiplos recursos terapêuticos disponíveis, como oficinas terapêuticas (de artes em geral, pintura, artesanato, de música, atividades físicas), psicoterapias (não apenas behavioristas, mas, sobretudo, de psicoterapias que valorizem a produção de significados, de sentido, as ressignificações das próprias experiências, a produção de vida, o sujeito, que resulte no empoderamento deste acerca de sua própria condição, na sua emancipação, no recovery e no healing, não necessariamente na cura no sentido médico stricto sensu; enfim, de psicoterapias existencialistas, humanistas e psicodinâmicas).

A favor de práticas que impliquem na autotranscendência (conceito do psiquiatra austríaco Viktor Frankl), que possibilitem ao sujeito "se abrir para o mundo, ir além de si mesmo", seja nas artes, nos esportes, no trabalho, na relação com o sagrado (na espiritualidade e na religiosidade), com a natureza, mas sobretudo, na sua capacidade de amar, de transcender através do amor, quando a autotranscendência atinge sua plenitude; um amor que cuida, amor-ação, que transforma, voltado para cuidar e servir ao outro.

A favor também da psicofarmacoterapia, porém, utilizada de forma criteriosa, racional e limitada, apenas com indicações técnicas, rigorosamente baseada em evidências, com a menor dose terapêutica possível e pelo menor tempo possível, conforme preconizado pelas evidências científicas. Preocupamo-nos com o uso indiscriminado dos psicotrópicos, sobretudo, na infância e adolescência, o que pode produzir (estar produzindo) uma iatrogenia com a infância sem precedentes.

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